30/09/2010


AS CASAS DE BANHO JAPONESAS
(OU A NECESSIDADE DE TIRAR UM CURSO DE DOUTORAMENTO)



Não sei se somos nós que estamos atrás ou eles que estão à frente mas a verdade é que as casas de banho japonesas são um paradigma de sofisticação e os nossos "petits coins", para usar a deliciosa expressão francesa, são de fazer corar o "gaijin" (voltarei aqui um dia destes), tal o evidente atraso que revelamos numa matéria tão sensível e tão relevante como são as casas de bannho.

A fotografia acima é um painel colocado na cozinha (portanto, relativamente distante da casa de banho) que permite ligar a banheira, pôr o banho a correr e regular a temperatura da água. Faz sentido: se estamos de olho no forno por causa do souflé, não se pode arredar pé para tratar do assunto e assim, à distância, trata-se de tudo.


A segunda fotografia é um outro painel de comando na antecâmara da banheira e permite regular o compartimento onde a mesma está instalada (que é uma divisão à parte), nomeadamente ligando um secador, um ventilador, um aquecedor e um AC. Tudo pode ser programado com um relógio.


Este terceiro teclado está instalado junto à banheira, o que me obriga a exercícios de contorcionismo com medo de o molhar e morrer ali electrocutado (o que seria chato, quanto mais não seja porque acabei de chegar e causaria um problema de cariz consular). Regula a temperatura do duche, enche a banheira e faz outras coisas que eu ainda não descobri.



Mas claro - são as retretes TOTO o ex-libris das casas de banho japonesas. Estranhamente, como alguém me comentava há dias, não se percebe porque é que este maravilhoso produto não tem conhecido sucesso no mercado externo já que não é coisa que se veja pela Europa ou Américas.



Note-se no painel de comando colocado à direita do utilizador. A primeira função é aquecer o tampo onde o utilizador se senta. Confesso que causa uma sensação algo estranha... Depois há o "limpador" que é um esguicho de água direccionado. Sublinho que são accionáveis as versões masculina ou feminina, com perfil anatómico próprio em cada uma. A temperatura da água também aqui é regulável. Depois, pode ainda ligar-se o secador (como um secador de mãos), que, como o nome indica, seca a região em uso.

Não é fácil mas é fascinante. Felizmente pode-se desligar tudo isto e viver numa casa de banho à antiga, como estamos habituados. Confesso: é o meu caso.

29/09/2010


ALVES, My name is Mr. A-L-V-E-S



É conhecida a dificuldade dos asiáticos em fazer a distinção vocal entre os R's e os L's. Esta dificuldade não é apenas japonesa e prende-se com as características do sistema vocal ligadas à fonética das línguas regionais. Há, aliás, piadas de salão (ou de caserna, consoante as audiências) sobre isto. Muitas vezes, é a própria escrita que fica contaminada com esta dificuldade oral, como fica demonstrado na fotografia em cima, tirada há dias numa loja de DVD's aqui ao pé. O "Italian cinema" passou a "Itarian".

Descobri agora outra dificuldade: aqui também não há o som V, simplesmente ausente do japonês escrito e falado. Não deve ser fácil ser diplomata da Venezuela, por exemplo, pior ainda para quem se chamar Vitor Velasquez. Mas eu tenho um problema muito próximo: no apelido ALVES há um duplo tropeção. O "L" cria logo uma travagem camaleónica (com duplo mortal e consequente transformação em "R"), seguindo-se um "V" que aqui só se conhece do alfabeto romano/ latino.

Mas pior ainda é quando eu tentar aprender japonês (o que começará dentro de dias) e for depois, eu próprio, confrontado com sons que jamais serei capaz de dizer. A ver vamos.

28/09/2010

Yasunari Kawabata: a mulher e o sexo



"Kikuji sentia-se como estando a possuir uma mulher pela primeira vez, ao mesmo tempo que se apossava dele a sensação se estar a realizar como um verdadeiro homem. Era um extraorinário despertar dos sentidos. Ele nunca poderia ter imaginado que uma mulher pudesse ser assim tão dada e receptiva. Kikuji correspondia à sua plena oferta, de todo seduzido - e cada vez mais se inebriava no perfume daquele corpo quente..."

Yasunari Kawabata, Chá e Amor (há outra tradução em que o título é "Mil Grous")

Este livro de Kawabata (e outros, como o de Tanikazi que referi há dias) ou algum cinema japonês que conheço (o que é muito pouco), como o de Kurosawa (por exemplo, "Tokyo Sonata") ou de Takeshi Kitano (por exemplo, o fortíssimo "Dolls"), levam-me a pensar sobre um assunto que, quer-me parecer, aqui tem importância imensa: os papéis sociais do homem/ mulher (na forma como são sociologicamente apreendidos, para lá de qualquer juízo apriorístico ocidental). Essa auto-percepção, pela sociedade japonesa, parece estar muito mais enraízada do que na Europa e a estanquicidade não conhece brechas. Uma forma onde isso se manifesta de modo pungente é na sexualidade (e também aqui, no modo como são percebidos os papéis de uns e outros), muito em particular no modo como a arte a retrata. Aí, no campo ficcional, literário ou cinematográfico, há um grito matriarcal de força, como se o gineceu não pudesse mais calar-se.

É preciso tudo ver para tudo almejar compreender.

27/09/2010

Japanese Food - There are more things in heaven and earth Horacio than are dreamt of in your philosophy

Para ser muito franco, não sou um grande fã de sushi. Admito, porém, que, como me dizia amigo avisado há dias eu esteja, qual Pessoa a deglutir coca-cola, na fase do estranhamento a que entranhamento se sucederá. Poderá ser. De qualquer modo, não me furtei, dois dias passados de aqui chegar, de um jantar completo de sushi, de que aqui fica prova para os mais cépticos.




Não creio que me torne, como alguns, um apaixonado que calcorrerá seca e meca (ou Tóquio e Nagasaki, por aqui), à procura deste peixinho cru. Mas o que tenho vindo a aprender é que há muito mais do que sushi na culinária japonesa. A semana passada fui a um outro restaurante onde, ali mesmo se preparavam umas deliciosas entradas:



Seguiu-se uma outra iguaria chamada "okonomiaki", que também é feita ali mesmo e que, com diversas variantes possíveis no que toca aos ingredientes, é qualquer coisa que, se posso comparar para efeitos de melhor compreensão, anda entre a omelete e a panqueca e que é absolutamente delicioso! Aqui:



No que diz respeito às sobremesas, julgo que não será o forte da culinária local (porventura engano-me e preciso de mais uns dias). A fruta é caríssima (assunto a que depois voltarei), mas comi outro dia uma espécie de sonhos fritos (cujo nome em japonês também já não me lembro), recheados de compota (pelo menos parecia), envoltos numa massa de arroz e depois coloridos de várias formas, sendo que a que comi e aqui se vê é a versão chá verde:


Claro que há muitas vezes que como coisas que não faço a mais pequena pálida e remota ideia do que possam ser (se calhar é melhor assim). Nos restaurantes, a generalidade das ementas está apenas em japonês mas, grande e utilíssima criação local, à porta existe uma reprodução fiel dos pratos em plástico e, para aqueles que, como eu, possam ter dificuldades para se fazerem entender, basta apontar. Simples e eficaz!



Última nota: quando há dias o calor apertou e os parques se encheram, os japoneses saíram em júbilo pré-equinocial. Juntei-me a eles, evidentemente, e, como qualquer bom autóctone, comprei a afamada e tão típica caixa com o almoço - o "banto" - e comi ao ar livre desfrutando do sol. Acompanhei a refeição (excelente - mas havia uma coisa amarela que não percebi se era acompanhamento ou sobremesa) com um chá porque quando pedi uma coca-cola a senhora da loa olhou para mim com um ar de tal modo aterrorizado que achei que lhe ia dar uma coisinha má...


26/09/2010

WENCESLAU DE MORAES, O PIONEIRO



"Tokushima, 14 de Dezembro de 1917

Eu mal já posso avaliar, pela grande distância e pela longa ausência, como as coisas vão indo na nossa terra. Mas inclino-me inteiramente para a sua opinião, e acho revoluções demais e heróis demais, e absoluta falta de juízo dos dirigentes e do povo. Creio que vamos indo muito mal, e ainda por cima com a ameaça de perdermos todas as nossas colónias, e até os Açores! A que estará reduzido o nosso país daqui a 20 ou 30 anos? Vê-lo-á V. Exa; eu não.(...)

Criado atento e obrigado

Wenceslau de Moraes".

Wenceslau de Moraes, Cartas do Extremo Oriente

25/09/2010


JUNICHIRO TANIZAKI



"Tudo se passou como eu previra. Tirei do corpo de minha mulher tudo o que se lhe tinha vestido e deitei-a de costas, numa nudez total, sob a luz do candeeiro. Pus-me então a estudar os pormenores deste corpo, como se estudasse um mapa. Quando me encontrei perante este corpo nu, esplêndido, imaculado, fiquei, antes de mais assombrado. É que via, assim, pela primeira vez, o corpo de minha mulher."

Junichiro Tanizaki, A Confissão impúdica

24/09/2010

Tóquio e os mitos urbanos





Todas as cidades têm mitos urbanos e Tóquio não é excepção: a estátua do cãozinho que aqui se vê - e que está em Shibuya - é o mais paradigmático do diz-que-disse desta cidade. Todas as manhãs, diz a lenda, o fiel Hachiko acompanhava o seu dono, o professor Ueda Eisaburo, até à estação de comboios e todos os dias, ao entardecer, ali o ia esperar para o acompanhar no regresso a casa. Num triste dia, em 1925, o professor Eisaburo teve um ataque de coração e morreu na universidade o que, como se compreende, o impediu de voltar a casa ao final desse negro dia. Mas o bicho esperou, esperou e todos os dias, durante vários anos, foi para a estação à espera do dono que teimava em não regressar. Hachiko morreu em 1934 e diz-se que nesses nove anos nunca falhou o sempre adiado reencontro com o seu dono. Tolhida pela emoção duma estória que a todos tocou, o cão foi feito estatuária e ali jaz, à porta da mega-estação de Shibuya. Os detractores desta estória dizem que Hachiko só ia até à estação porque a loja do canto lhe dava de comer e há até quem afiance que, morto o bicho e dissecadas as entranhas, ali se descobriram os paus das espetadas da loja vizinha.

(a estátua que se vê é a segunda porque a primeira foi derretida no tempo da guerra para fabrico de armas pelo que o pobre Hachiko nem depois de morto teve sossego...)

23/09/2010



Shibuya, os corpos e Don DeLillo











Em Setembro de 2001, no seguimento do caos que se instalou nos aeroportos, perdi, numa sala de embarque do aeroporto de Zurique, um livro de me tenho lembrado por estes dias - "O corpo enquanto arte", de Don DeLillo. Foi isso que me veio ao espírito, sentado numa mesa do Starbucks de Shibuya, num 2º andar, a observar "o" cruzamento. Sim: "o" o cruzamento. Aquele é o cruzamento do mundo. Ao sinal verde a mole avança como um corpo só. E é justamente isso que torna aquele um dos mais singulares de todos os lugares: a multidão despedaçada que se junta à beira duma passadeira e avança, num caminho de quase reencontro, como ao som duma orquestra dum bailado clássico, caminhando como pedra bruta, única, inconsútil. Só observadores distraídos poderiam dizer que em Shibuya se celebra a desordem da cidade. Não: no cruzamento de Shibuya resgata-se uma estética que alguns têm julgado perdido nas malhas intrincadas do fascinante tecido urbano. Nos milhões de pessoas que diariamente atravessam o cruzamento pentagonal de Shibuya há milhões de estetas protagonistas do que há de mais raro, e, por isso, de mais precioso, no estranho mundo da contemporaneidade: o confronto com a beleza extrema.

(1ª sequência de fotografias: um minuto de travessia em Shibuya durante o dia; 2ª sequência: o mesmo à noite)









22/09/2010


TOKYOITES



















In a birds eye view (the only one I can have after one week), I have the feeling that Tokyoites on the street are either sleeping or speaking on their mob phone. On the metro, only the first option is valid: they seat down and, if they are alone, they close their eyes and... good nap! They sleep for a couple of minutes and they seem to be as confortable as if they were in bed! I don't know how, but when the train stops in their station, they wake up, jump out of their seat and leave. I do envy their ability to do such thing.
Another visible national sport are the mobile phones. Surprisingly enough, they are big and people seem to be talking all the time. If that is not the case, they are texting but then again the handy does play a major role. Also here, I wish I had already bought a mob...

21/09/2010


Tokyo, some more shots



From the very little corners of some shrines to the imposing image of the skyscrapers, this a contrasting town. Ancient and contemporary, old and new, small and big, they all co-exist challenging our daily look. Unlike some other cities - Paris or Rome are the examples here - Tokyo doesn't have an "easy beauty". Maybe it's not even beautiful. But it's interesting and demanding. That's the word for now: the city I now live in is very demanding. I like that. I hope I will cope with that. I'm sure I will.











20/09/2010


Tokyo - going around the town, first photos


Long weekend here (today was a bank holiday, "Respect for the Aged Day"), so during these days I just walked around some parts of the town (from the slightly trashy Shinjuku to the bourgeois Ginza; from the top elegant Omotesando to the adorable kitsch Shibuya - my favourite, BTW). The city is enormous and I feel that I will need weeks, if not months, to grab it. No museums, no special spots, no particular visits. Just going around to capture the atmosphere of the town (very post-modern), its vibration (very intense), colours (very large spectrum), smell (a mix of urban and sweet) and people (very... different). I will come to all these at a later stage but for now, just a couple of snapshots. More will follow in the coming days.












18/09/2010


A lula contra-ataca (em japonês)



Quando cheguei à caixa para pagar a embalagem da lula gigante recheada com arroz, a menina apontou para a dita, sorriu esgalhada e, com ar semi-aflito, balbuciou qualquer coisa. Tinha ar de quem lançava um apelo lancinante, um aviso à navegação, um grito de alma incontido. Sorri e disse que não falava japonês. Ela permaneceu impávida, continuou e elevou a voz (que atire a primeira pedra quem nunca achou que falar mais alto era a técnica de tornar compreensível uma língua lontana). Repeti a minha mensagem de ignorância mas ela não queria saber e apontava a lula, agora com postura semi-imperatorial, temperada mesmo com laivos de violência. Seria pesca ilegal? Estaria fora do prazo? Provocaria algum desarranjo? O que me queria ela explicar? Que fosso intransponível se cavou entre nós tendo como pretexto uma lula?

Sem me dar por vencido, trouxe a lula para casa e fiquei a olhar para ela, em tenaz movimento giratório no prato do micro-ondas. Comi - confesso - com um ligeiro (vá lá: ligeiríssimo) receio. Mas tirando o facto de ser uma lula seca e dura (quase hirta, dir-se-ia), não me pareceu levantar problemas. Até agora, pelo menos. De qualquer modo, há uma mensagem a extrair da lula japonesa. Só falta saber qual.