08/09/2010


FAREWELL TO BRUSSELS




Há injustiças pérfidas que se colam à pele das coisas, aderências irremovíveis que o tempo cristaliza. O que a nascente e a poente uns e outros dizem de Bruxelas é um destes casos, e todos, ou quase, confluíram apelidando a cidade de desinteressante. A escuridão, a ausência de luz e a memória longínqua dos dias solarengos (diga-se que o verão de 2010 contradisse este lugar-comum) contribuem para o desagrado popular. Subscreve-se, aliás, a censura feita a esta Bruxelas de encantos escondidos, o que não quer dizer inexistentes. Bruxelas é uma cidade que, qual princesa fenícia aos arbítrios de Zeus, foi raptada pela trupe burocrática. Tornou-se assim sinónimo de mole de gente engravatada todo o ano mas a assoar-se na gravata por engano (como no poema do O’Neill). Inidentidades apressadas saem do metro para mastodontes de betão, baptizadas na convicção de salvadores da humanidade. A esses escapa o que aqui se oferece – o gosto pelos requintes da vida, a procura do bem estar, o culto da qualidade de vida. Escapa a tantos a voragem pantagruélica a que cedemos: só cidade assim teria inventado a leveza de uma certa cerveja, o refinamento de um certo chocolate, a licenciosidade das moules temperada pelas batatas fritas. Só cidade assim, mesmo perdida no meio duma nação que não encontra, encontraria o rigor do traço para um Tintim a correr mundo (acompanhado por esse pantomineiro encartado que era o Oliveira da Figueira). Só cidade assim se desconstruía ao ponto de, freudianamente, ter criado o surrealismo e jurado, pés juntos, que aquilo não era uma pipe (e as leituras que aqui se fazem são inúmeras…). Só cidade assim tem tanto espaço para tantos feixes de amizade. Todas as terras são nossas quando lhes chegamos a adivinhar o nome. Um grito português: vou ter saudades disto, caraças.

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