Visita à prisão (ou aprender sempre)
Tá-se bem aqui, pá, foda-se, ele há coisas piores na vida, não? É pá, temos tecto, comida, cama. O pior são as batatas, todos os dias são batatas, você sabia que os belgas só comem batatas? De resto, é ir esperando, eu até trabalho na cantina, pá, não é mau, dão-nos uns trocos no final do mês, dá para pagar umas compras do supermercado, que a gente faz uma lista e eles entregam aqui, são careiros como o raio mas também não há mais nada para gastar e para a televisão que dá para ter uma na cela, pago a meias com o meu companheiro de cela, um tipo marroquino que só quer ver a televisão em árabe ou lá o que raio que eles falam, mas ele é porreiro, jogamos cartas e assim, ele andou nas drogas e depois roubou. Eu é que foi chato, vocês devem saber por que é que eu estou aqui, não?, andava com uns gajos na rua e depois meteram-se connosco uns brodas do midi e eu, pá, deu-me uns nervos que fiquei descontrolado e, prontos, eu nem estava em mim, e começámos a lutar e eu dei-lhe um golpe e ele caiu e eu achei que ele só estava ferido e fugi mas já estava a ver que tinha arranjado complicações. Depois no dia seguinte a gendermeria veio atrás de mim para me levar ao grefe e pronto, já se estava a ver. Mas eu aqui porto-me bem, que é para ver se eles me deixam sair mais cedo, agora vou começar os congés e atinar e isso. Depois quero estudar, fazer as artes, ou como é que se diz, marceneiro, limpar-me desta merda – prontos, vocês desculpem lá – e ter uma vida mais, vá lá, como um tipo que não esteve aqui dentro e ter uma mulher e filhos e um dia voltar para o Portugal que eu vim de lá com dez anos com os meus pais, o meu pai morreu, a minha mãe trabalha como concierge e obrigado por terem vindo, é fixe, um gajo sabe que pode contar com a embaixada eu quando sair vou lá dizer adeus a todos.
Gustavo, 22 anos, português preso na Bélgica (nome e situações reais foram alteradas)
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