10/09/2010


Os novos cais



Corria esse longínquo ano de 1543 quando - admitamos - num cais soalheiro e abrigado, uma barcaça de pavilhão português atracou em Tanegashima. Em Lisboa reinava João, terceiro de sua graça, impulsionando desvaires marítimos e loucuras de caravelas (a despeito de avisos lançados do Restelo ao vento), ainda que a chegada a Cipango, assim a baptizara Marco Pólo, possa ter sido mais empresa de mercadores privados comerciando pelas Índias do que um esforço planeado da excelsa coroa. Quem pela primeira vez, em nome de Lisboa, terá pisado tais terras, eis mistério que perdura. Poderá ter sido Fernão Mendes Pinto, que tão desvairado relato fez na ‘Peregrinaçam’, que logo o povo lhe adulterou o nome, trocando o pinto pelo ‘Minto’. Mas seguro é que, com Pinto mentindo ou sem ele, outros conterrâneos se lhe seguiram: o padre Fróis, que no ocaso do mesmo século, reduz a escrito as contradições e diferenças dos costumes antre as gentes de Europa e esta província do Japão; S.Francisco Xavier, pregador franciscano cujas vestes pobres impressionaram mal os locais mas que, mudado o traje, logrou alcançar licença [dada] aos padres do ocidente para encontrarem ou construírem um mosteiro a fim de espalharem a lei de Buda (sic); ou não esqueçamos Wenceslau de Moraes, capitão de fragata presa ao molhe, cônsul amantizado em Kobe, buscador de narrativas incontadas em cartas de papel finíssimo. No Japão de hoje talvez já não soem os tambores de outrora, porventura já não brilha o fio das espadas dos samurais a sibilar no ar mas existem ainda as cerejeiras em flor, desmaiadas em finais de Maio, soçobrando perante um tempo novo e abrasador que, desafiando as lógicas, convida ao chá de Wenceslau ou à limpidez das gueixas. Do visto e do ouvido em tais remotos azimutes, aqui darei conta: agora aguardam-me os novos cais. Até já.

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