Logo em Dezembro de 1755, um mês depois do terramoto de Lisboa, pôs Voltaire seu doce Cândido a passear sobre as cinzas de uma Lisboa em pó: aquele que proclamara o melhor dos mundos - uma atitude que não era apenas pessoal mas uma postura de vida, um posicionamento filosófico banhado no ar do tempo - via agora abalado não apenas o chão que pisava mas as próprias estruturas de pensamento. Sabe-se o quão importante foi o sismo dessa madrugada de Todos os Santos para reformular a filosofia europeia na segunda metade do século XVIII.
Os tempos são outros, é certo; e outros são os homens, as latitudes, as crenças e as filosofias. Mas lembrei-me de Voltaire ontem quando vi imagens de casas, estradas e portos já reconstruídos e operativos, menos de 3 semanas depois do pior sismo da história do Japão. E não foi preciso um Marquês de Pombal - um visionário - a ordenar justiça e ditar a ordem. Os japoneses são resilientes e é nessa resiliência que reencontram o caminho que nós, ocidentais, nos apressamos a julgar perdido. Por aqui não se viram - como seria normal na Europa - dias de luto, cerimónias fúnebres, exercícios colectivos de exorcização da dor e do luto. E lembro: no momento em que escrevo são 27 500 os mortos e desaparecidos. Sofre-se na intimidade e renasce-se como povo.
Hoje fui reler Voltaire e ecoa-me sem cessar o seu verso em "Poème sur le désastre de Lisbonne" (capa em cima): Je suis comme un docteur ; hélas ! je ne sais rien.