09/03/2011

Filhos da luta



Pronto: não resisto. Já todo o país opinou sobre a canção que vai à Eurovisão, também tenho de contribuir para este debate. A direita está horrorizada, já escondeu as jóias e fez reservas para o Brasil. A esquerda diz que não vê o festival mas está incomodada com a falta de qualidade musical dos rapazes.

Aqui vai o que eu penso em 5 pontos:

1. Parabéns aos «Homens da Luta» (a designação é machista mas a luta deles não quer saber disso). O festival da canção estava moribundo e ressuscitou. Já tinhamos saudades dos tempos de exegése das letras da Tourada, do Fernando Tordo, para perceber que ele se referia à "besta" (fascista). Volta Simone!


2. Dizem que aquela gente vai levar à Alemanha uma imagem de um país provinciano. Desculpem amigos, mas estamos a falar do Festival da Canção, não do Festival de Salzburgo. O Festival da Eurovisão é provinciano. Aquilo é um desfile de cançonetistas de aldeia, espécie de António Calvário reciclado mas com menos botox a descer a escadaria sob a orientação de um Eládio Clímaco que fala estrangeiro. O Festival da Eurovisão é uma TV Guia que foi fazer o Erasmus. Não queiram transformar a Eurovisão no Bayreuther Festspiele.

3. Vergonha? Vergonha são as taxas de iliteracia e a Biblioteca Nacional fechada durante um ano. Ou pensões de 300 euros em vilórios com 37 rotundas em 50 quilómetros quadrados. Vergonha é eleger por televoto o Salazar como o maior português de sempre.

4. A modernidade morreu e levou com ela a Dulce Pontes: os que se dizem modernos estão apavorados com medo desta rapaziada mas esqueceram-se (na verdade nem sabem) que este é um tempo pós-moderno, que não tem pejo em regressar às origens e fá-lo sem complexos porque sabe que só isso é verdadeiramente progressista (vejam as instalações da Joana Vasconcelos, é disso mesmo que se trata).

5. Finalmente, seria talvez inteligente parar dois segundos para perceber que este PREC cançonetista de mãos dadas com um neo-evangelismo de má qualidade musical tem uma dimensão sociológica a que importa estar atento. Tem a ver com a Geração Parva dos Deolinda, com os "quinhentoseuristas", com a novas redes sociais e com uma tensão de modelos que nem a Europa nem Portugal conseguiram resolver. E já agora, com a manifestação do próximo sábado em Lisboa.

Os Homens da Luta vão cantar para a Alemanha? Deixá-los ir. O pior que pode acontecer é virem de lá com a taça. E descansem, descansem: se isso acontecesse, não seria Bismark que dava voltas no túmulo. Era Karl Marx: o Jel e o Falâncio afinal renderam-se ao entretenimento burguês mais foleiro.


2 comentários:

  1. Meu caro amigo Duarte,
    Pese embora saberes que tenho uma opinião contrária, tenho que reconhecer que a tua defesa como a maior parte das tuas defesas são excelentemente bem argumentadas, pelo que apenas digo: demagogia é fácil, acções com projectos de soluções que são mais dificeis. Isto engloba desde os "Homens da Luta" até á manifestação de 12 de Março. Grande abraço e a título de provocação aqui fica este link http://sic.sapo.pt/online/video/informacao/NoticiasCultura/2011/3/miguel-sousa-tavares-comenta-cancao-vencedora-do-festival-eurovisao08-03-2011-01745.htm

    Eduardo Lobo

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  2. Subscrevo este texto na íntegra.

    É exactamente o que eu penso sobre o assunto.

    Obrigado. Meus melhores cumprimentos,

    Luís F. Afonso

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