26/11/2010


Como medir o instante da conversão?




Em inícios da década, li os livros do “bairro”, O Senhor Valery/ Henri/ Brecht etc. Não gostei. Em 2005, levei comigo numa viagem a Nova Iorque o muito premiado Jerusalém que li numa noite, no sofá, em casa do PCP. Não gostei. Em 2009, numa praia em Cuba, li Um Homem: Klaus Kamp e A máquina de Joseph Walzer. E deu-se uma epifania. Não posso dizer que se tratou duma conversão no sentido religioso do termo. Foi mais do que isso: foi um cataclismo, um abismo por onde me lancei, voraz e sem pára-quedas, uma queda do cavalo, no sentido paulino do termo – deu-se uma revelação, como se aquela fosse a minha estrada de Damasco. A escrita de Gonçalo M. Tavares é exigentíssima porque é feita a 4 mãos, as do escritor e as do leitor e só da convergência de esforços se alcança a musicalidade. Sem isso, aquilo pode ser cacofónico e desconexo. Mas depois de passado o rubicão, e se tiver o leitor a graça da conversão, então tudo é novo, pleno, tudo é descoberta, vício penetrante, incontornável, dor que atormenta até ao limite. Gonçalo M. Tavares (como nas últimas décadas, antes dele, nas letras portuguesas, só porventura Maria Gabriela Llansol) encontrou um registo próprio e único, um espaço novo, um tom irrepetível. Agora que os franceses o premiaram, talvez fosse bom que começássemos a pensar nisto. Arrisco mais: além de Lobo Antunes (ainda não perdi a esperança), se Portugal voltar a ter um Nobel da Literatura nos próximos 30 ou 40 anos é para Gonçalo M. Tavares. Depois não digam que eu não avisei.

1 comentário:

  1. fica registado o aviso, ainda não "ouvi" essa escrita a quatro mãos, mas vou corrigir essa falha.
    JMR

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