09/11/2010


O Antero japonês




Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: — «Homens! por que é que nos criastes?»

Antero de Quental, Divina Comédia


Saiu de casa ao raiar do dia, depois de uma noite de silêncio ensurdecedor, quem sabe de preces murmuradas musicalmente num altar improvisado com incenso. Apanhou o primeiro metro, que devia vir vazio, salpicado de gente adormecida, vinda lá de longe, onde a cidade se despede e abraça o campo. Trazia um quimono cinzento, de gente senhoril e escondia as intenções que o levaram ao parque. Ainda caminhou mais de duas horas antes de atravessar a pé a ponte grande, pórtico urbano sem medida. Junto ao rio Sumida, escolheu um banco limpo, inspirou o ardor das águas bravias desta manhã de Outono e junto ao castanheiro ainda adormecido, deu dois tiros na boca. O jornal não refere, se como no caso de Antero, existia atrás uma placa tímida a dizer "esperança".

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