22/12/2010

A LITURGIA MULTILATERAL



Padres por esse mundo fora enceram os soalhos dos templos, puxam o brilho à talha dourada e preparam-se para queimar o incenso em vésperas da noite em que todos assolam à igreja, mesmo aqueles que passam ao largo o ano inteiro. Eu já tive a minha dose de liturgia adventícia, com 48 horas fechado numa sala de reuniões a discutir o futuro de não importa agora o quê. Já tinha saudades: noite dentro a fazer drafting, pausas para consultas em cada duas horas, delegados a dormir nos corredores, doses reforçadas de café, computadores que projectam textos enormes até inexplicavelmente deixarem de funcionar, intérpretes com horários incompatíveis com a música que aqui se baila, secretariado a fazer milhões de fotocópias de drafts que acabarão no lixo, desfolhar de calhamaços à procura de agreed language, dramas, ameaças e crescendo de tensão. Até tudo acabar bem, numa sessão plenária cuja hora nunca tem nada a ver com o inicialmente previsto. Há todo um rito a cumprir para subir a este quase-Golgota. Esta minha vida começou no multilateral e parece mesmo que não há amor como o primeiro.

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