03/12/2010

AS MINHAS MEMÓRIAS DE ERNÂNI LOPES



Conheci Ernâni Lopes em 1997, na Católica. Durante a parte escolar do mestrado, foi meu professor em três seminários: Economia Política, Portugal e a UE e Geopolítica da Europa. Lembro-me que fui para a primeira aula desconfiado porque me parecia um abuso e falta de sentido da realidade marcar uma aula de seis (isso mesmo: seis) horas consecutivas, às 6ª feiras das 16h às 22h (fazia-se um intervalo de 10 minutos porque ele dizia, condescendente, “vocês têm de ir comer qualquer coisa, não é?”). Ernâni chegava de passo apressado, cachimbo a fumegar e camisa branca de mangas curtas (sempre, de verão ou de inverno, as mesmas camisas de colarinhos foleiros). Pousava em cima da mesa um dossier enorme com acetatos e, contra todas as regras, o que espantava não era que ele conseguisse dar uma aula de seis horas. O que espantava era que nós conseguiamos seguir com o mesmo nível de atenção uma aula de seis horas, porque Ernâni era um cientista e um pedagogo de excelência. Depois, insistiu em presidir ao júri de todas as teses da minha promoção, pela relação próxima que estabeleceu connosco, pela afabilidade que reservava a cada aluno, pelo interesse que demonstrava pelo percurso de tese que cada um de nós ia fazendo. Não sendo o meu orientador, ia perguntando pela minha tese e recomendando leituras. Depois soube que eu estava a concorrer ao MNE e ia-me perguntando pelas provas e, mais uma vez, sugerindo leituras. Insuflava nos seus discípulos uma confiança inabalável de mãos dadas com uma exigência quase dolorosa. O seu pensamento era solidíssimo, o seu rigor era milimétrico, a sua capacidade de relacionar as coisas incomensurável, para lá do expectável e do exigível, ancorado num saber renascentista, numa cultura enciclopédica e numa visão universal. Ernâni pensava e ensinava a pensar para lá do possível. Que descanse em paz.

Sem comentários:

Enviar um comentário