Um mês de Tóquio (ou o precipício da alteridade)
Sophia dizia que “viajar é olhar”. É, por isso, que para espanto de muitos, gosto tanto de viajar sozinho: porque só assim, no confronto com o silêncio – esse bem precioso e raro na parafernália e na fealdade de que são feitos a generalidade dos dias – se consegue verdadeiramente ter espaço para captar a essência do que nos rodeia. Porque só olhando se escuta, só escutando se aprende e só aprendendo se percebe o mundo à nossa volta, mesmo que percebendo o mundo à nossa volta nunca nos cheguemos a perceber a nós próprios (se é que, no limite, isso tem alguma importância). Um dos melhores livros sobre isto, uma espécie de gramática impura do viajante, foi escrita por Ryszard Kapuściński e chama-se Encountering the Other (ou coisa que o valha, porque o livro anda a navegar pelo oceano para vir ter comigo). É um ensaio notabilíssimo deste jornalista e escritor polaco, onde se faz a desconstrução, pelos olhos de um ocidental, sobre o “outro” ou os “outros” que por esse mundo fora, foram enchendo os dias (e as noites, presumo) daquele que era um viajante compulsivo. João Paulo II, a quem um dia uma criança perguntou por que razão é que viajava tanto, deu uma resposta lapidar: “Porque o mundo todo não está aqui”. É por isso que o Japão tanto me tem fascinado, pela diferença, pelo outro, pelos códigos, pelos conceitos (hoje andei de volta do que é o wabi sabi). Para um bibliófilo, (quase) tudo o que conta está nos livros (eu disse: quase), e, por isso, hoje celebro a sapiência de Sto. Agostinho: «O mundo é um imenso livro do qual aqueles que nunca saem de casa lêem apenas uma página.» Cheguei faz hoje um mês: pela frente estão muitos dias e muitos livros.
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