09/07/2010


AS MADALENAS E O PROUST, O QUEIJO, EU E LUANDA




Todas as 5ª feiras à hora de almoço, quando vivia em Luanda, ia ao supermercado da ELF comprar meia dúzia de coisas muito específicas. Era, à época, o único em Luanda que, pese embora os preços que praticava (já então Luanda era uma das cidades mais caras do mundo), tinha aquilo que na Europa se chama a 'fileira gourmet' e que, na lonjura angolana, adquiria um estatuto quase mítico. Cada pessoa tem a sua fixação gourmet e há nesses pequenos tesouros uma capacidade indisível de nos resgatar à escuridão. Era no supermercado da ELF, que ficava na Rua António Barroso, ao bairro de Alvalade, justamente à 5ª feira (por chegar nessa madrugada o abastecimento de Paris), que se encontrava toda a gente da Luanda do asfalto (como se diz por lá, por contraposição à Luanda do musseque). Com devoção quase religiosa, durante dois anos, nesse dia à hora de almoço, eu comprava 250 gramas de queijo emental, que o empregado embrulhava num papel pardo brilhante e que eu ia comendo, em parcimónia repartida, até à semana seguinte. Lembrei-me disto, de repente, quando, esta semana, num anódino supermercado belga, dei de caras com a mesma marca de emental que fazia as minhas delícias luandinas. Ainda peguei no pacote e olhei para ele, por dois longos minutos, com uma interrogação existencial. Depois, com um ataque de lucidez, tornei a colocá-lo na prateleira e vim para casa apenas com o meu habitual queijo flamengo. O passado é um país distante. E é assim que deve ser.

1 comentário:

  1. Engraçado como em continentes diferentes, países diversos, passamos por experiências comuns. O meu "pequeno tesouro" em Belo Horizonte, encontrava-o no Carrefour (que, ao contrário do que poderia sugerir o nome, não tinha para venda praticamente nenhum produto do hexágono), uma manteiga com sal de mar, da Bretanha, a preços quatro vezes superiores aos da terra de origem, mas, lá está, não havia dias escuros com aqueles embalagem prateada em cima da mesa, à mercê da gula expatriada...

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