31/05/2010



UM INGLÊS EM CARTAGO

Não me chegou a dizer como se chamava. Disse-me apenas que tinha 80 anos e era de Liverpool. Usava umas calças de linho bege, impecavelmente engomadas, uma camisa oxford e um chapéu panamá. Debaixo duns óculos grandes, tinha uns olhos amendoados. Ao pescoço trazia pendurada uma maquina fotográfica, modelo antigo, do tempo em que tirar fotografias era uma coisa requintada e se esperava que os rolos viessem da revelação. Estava apoiado num bengala fina, com punho de prata mas o adereço servia menos para o apoiar e mais para prolongar a indignação gesticulante com que apontava para os despojos de Cartago: "what have they done to this?", repetiu várias vezes, em fúria crescente, a disfarçar aquele desprezo endógeno que os ingleses têm por tudo o que vem de fora e por quem não bebe chá às cinco. Queria conversa e dei-lha -esteve em Cartago, pela primeira vez, há 40 anos, viveu um ano em Tunis nos anos 80 (veio por 15 dias, ficou 11 meses), tem um joelho de titânio que pôs há 3 anos em Chicago, não referiu família e disse-se, pudicamente, "consultor internacional" (naquela idade? não sei porquê mas aquilo cheirou-me a MI5). Deu-me o braço sem pedir, arrastou-me para a sombra e desdobrou um mapa de Cartago, velhíssimo, a preto e branco onde tentou identificar, perante o meu silêncio estupefacto, as pedras que nos rodeavam.
E, como chegou, partiu, falando sózinho, debaixo dum abrasador sol africano. Fotografava em periclitante desequilíbrio ajeitando, muito lentamente, o chapéu panamá.

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