14/05/2010

A PROPÓSITO DA VISITA DE BENTO XVI A PORTUGAL


Reconhecer a centralidade da herança judaico-cristã no ocidente e a importância do catolicismo nas sociedades europeias é uma evidência. É assim: o múnus da igreja de Roma fez de nós quem nós somos (para o bem e para o mal) e negá-lo é negar-se a si mesmo. Nada disto tem a ver com o grau de adesão ao sucessor de Pedro, mais ou menos carismático, diz o povo, como se estivéssemos a falar dum grupo de música pop. Bento XVI, para início de conversa, é um Chefe de Estado, arquitecto político de geometrias que, tantas vezes (as mais das vezes), oscilam entre o bizarro e o espúrio. Não o compreendeu Estaline que perguntou quantas tropas tinha o Papa, não percebendo que estas tropas não são as das trincheiras mas, muito mais perigosas, as dos baluartes do dia a dia.

Eis o ponto de partida essencial para perceber os atavismos romanos. Do romeiro em busca de Jerusalém ficou um mal disfarçado proselitismo cavado, amiúde, sobre um défice de compreensão caleidoscópica do outro. Da negação feuerbachiana do corpo, ficou o lastro do divórcio entre Eros e Ágape (salvaram o Filo), com repercussões devastadoras e que, ironia pérfida, atingem agora a própria instituição eclesial. Da arquetipização fálica do poder ficou a subsunção feminina remetida a um convenientemente dócil culto mariano, para decoro das consciências.

Sabem-nos os que leram Thomas Mann que a lógica discursiva da fé vence todas as batalhas porque explica tudo, impregnada pela força do espírito, varrendo argumentos e argumentadores: na batalha entre a razão e a fé, é sempre a última que sai vencedora porque é combatente incansável, é luz que não se apaga.

Confundir Cristo com a igreja é tomar a árvore pela floresta, o deserto de sal pelo sal do deserto, o Manuel Germano pelo genoma humano, a obra prima do mestre pela prima do mestre de obras. Alguém me dizia há dias que os escolhos do caminho da apostasia são afinal, como a beleza para Platão, o rosto visível do sagrado, a parte de deus que podemos suportar com os sentidos. Há muitos caminhos para chegar ao belo. Resta saber quem são os escolhidos. Mas sobretudo, resta saber onde arde a última vela a apontar o caminho da redenção. Tenho para mim que a resposta é menos evidente do que se julga.

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