10/04/2011

DOMINGO DE VERSOS - Jorge de Sena



Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas,
os temas, os motivos, os símbolos,
e a primazia nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros,
na coragem de combater, julgar,
de penetrar em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até outros ladrões mais felizes.
Não importa nada:
que o castigo será terrível.
Não só quando vossos netos
não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome.
E mesmo será meu, tido por meu,
contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável que,
só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada:
nem os ossos, que um vosso esqueleto há-de ser buscado, para passar por meu.
E para outros ladrões, iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

(de Metamorfoses, 1963)


Sem comentários:

Enviar um comentário