13/06/2011


O sonho de Vargas




Roger Casement servira como cônsul inglês na Nigéria, Moçambique e Angola antes do Foreign Office lhe dar uma missão que mudaria a vida: entrar pelo Congo adentro e verificar as condições de vida dos trabalhadores da borracha a soldo do império belga. Irlandês de nascimento e humanista por formação, Casement regressa a Londres com uma relatório explosivo e desejoso de se dedicar a outras causas mas a fama como o homem para missões difíceis arrastou-o para a Amazónia. De novo estava em busca de uma fotografia sobre as condições dos índios peruanos. Por cada horror que constatava, escrevia uma página e por cada página que escrevia arregimentava mais um inimigo.

Entre a biografia e o romance (mas mais este do que aquele), "O Sonho do Celta" pinta o retrato de um homem dilacerado ao serviço de uma certa ideia de pátria (devia ser obrigatório para diplomatas e candidatos). Casement semeia carisma mas invariavelmente colhe tempestades, pisando firme a linha que separa o bem e o mal. Não arrisca a doutrinação com sabor envagélico, embora não seja jacobino. Nunca perde a lucidez nem a misericórdia.

Vargas Llosa leva-nos por meio milhar de páginas e, a certo ponto, já não somos nós que lemos os desvaires do Celta, é o livro que ganha vida própria e nos lê a nós. Com uma estrutura constante ao longo de três partes (Congo, Amazónia, Irlanda), a biografia de Casement não cede ao romantismo, nem é meiga com o biografado. Aliás, não precisa de ser porque a vida de Casement fala por si própria e não se oferece a indulgências. Vargas Llosa não fugiu do pulsar homo-erótico, embora talvez pudesse ter convocado mais as páginas dos famosos "black diaries", não por voyeurismo literário mas porque isso insufla espessura humana aquele que é, assumidamente, um romance de personagem (além de que Vargas Llosa escreve com muita elegância sobre sexo, o que é tão raro quanto difícil).

A crítica internacional não foi benevolente com "O Sonho do Celta" que, obviamente, não tem (nem quer ter) o arcaboiço literário de "A Conversa na Catedral" ou a fineza de espírito e de letra de "Os Cadernos de Dom Rigoletto". Mas nem por isso o novo livro do Nobel de 2011 deixa de ser um prazer imenso, transportando o leitor para aquele território indizível que faz com que, quando Roger Casement morre na última linha do livro, o leitor morra também um pouco com ele.

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