15/06/2011


AEROPORTOS, os não-lugares




Gosto de aeroportos. Gosto da azáfama, das correrias, dos olhares inquietos para os painéis de informação, das mangas que nos levam aos aviões (não consigo evitar o paralelismo com uma espécie de última caminhada para a morte), gosto dos cafés e das esplanadas com croissants secos ao preço de caviar Beluga, das lojas de bugigangas e chocolates (colega avisada dizia-me outro dia que lojas de aeroporto são locais onde compramos presentes para as pessoas de quem não gostamos), gosto da pose arrogante e impertinente das aero-moças (como dizem os brasileiros), gosto do contraste flagrante com o silêncio das zonas de oração dos aeroportos (em Bruxelas tem de se subir para um corredor esconso, sem escada rolante, que depois dá para uma grande janela cheia de luz - não sei se foi coincidência ou arquitecto tocado pela graça da fé), gosto da intensidade emocional que vai da alegria inominada à dor rasgada, gosto do lado multi-étnico dos terminais não-Schengen, gosto de passar aquela porta das chegadas e reencontrar qualquer coisa ou alguém (ou se reencontra a vida ou se torna a pô-la entre parêntesis). Gosto, enfim, de aeroportos, porque são "não-lugares", no sentido que lhe deu Marc Augé.

Não-lugares são sítios desprovidos de identidade, onde se acelera o tempo e se mergulha no excesso de espaço. Gosto de aeroportos porque em poucos sítios se pode estar rodeado de tanta gente, estando ao mesmo tempo irremediavelmente abandonado. Não há coisa mais moderna.


(Passaram ontem 25 anos da morte de Jorge Luis Borges. In memoriam pela biblioteca de Babel, talvez o mais famoso não-lugar da literatura do século XX).


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